castelos medievais

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domingo, 18 de junho de 2017

SVALBARD: AS TERRAS FRIAS DO FIM DO MUNDO CHAMAM PARA O TURISMO

Um dia o mar subiu e inundou tudo. Para ele, foi ótimo. Porque ele era um peixe. Não sabia de onde tinha vindo, para onde ia, qual o sentido da vida. Só sabia que a vida ali, um pouco acima do Equador, era boa. Um dia, morreu, afundou e ficou lá, soterrado por areia, lama e restos de plantas.
Não tinha como saber que aquele lugar iria se desprender do continente, virar uma ilha e acabar no outro lado do mundo. Que o mar iria baixar, a ilha iria secar – e congelar. Que o carbono e o hidrogênio do seu corpo se transformariam em petróleo e carvão: dois tesouros descobertos, 360 milhões de anos depois, por um primata chamado Homo sapiens – que ficaria completamente viciado neles, a ponto de ter a própria sobrevivência ameaçada por isso.
Seja bem-vindo a Svalbard, o lugar mais remoto do mundo. É um arquipélago no meio do Oceano Ártico, onde 2.200 pessoas vivem na última cidade do planeta Terra – acima dela, ao Norte, não há nenhuma outra. A civilização literalmente termina aqui.
Um lugar inóspito, rodeado por geleiras, com invernos de 16 graus negativos (no verão, 4 positivos) e grandes áreas cobertas por permafrost: gelo eterno, que não derrete nunca. Um lugar hostil, habitado por 975 ursos polares (um para cada três pessoas). Um lugar insólito, onde até o tempo é diferente.
Porque no dia 11 de novembro, todos os anos, o Sol se põe e só volta a nascer em 30 de janeiro. É a chamada Noite Polar, que mergulha a cidade em dois meses e meio de escuridão (e acontece porque ela, pela localização no extremo Norte da Terra, fica desalinhada com o Sol durante esse período).
Em abril, começa o fenômeno oposto: o Sol da Meia-Noite, um período de cinco meses, até o final de agosto, em que a cidade é bombardeada por luz – e o Sol brilha o tempo inteiro, 24 horas por dia. Svalbard é um lugar capaz de testar os limites do corpo e da mente humana. Você precisa ter um motivo muito forte para morar aqui.
A ilha foi descoberta em 1194, quando navegadores vikings avistaram aquilo que chamaram de “svalbardur” (costas frias). Em 1611, tornou-se base para navios caçadores de baleias, mas só viria a ser habitada para valer no começo do século 20. O responsável por isso foi o capitão norueguês Soren Zachariassen, que em 1899 foi a Svalbard e voltou com uma coisa valiosa: carvão.
Ele descobriu que a ilha tinha grandes reservas de carvão (afinal, carvão é feito de plantas e animais fossilizados, e há milhões de anos o lugar era tropical e cheio de vida), e isso detonou uma corrida para extraí-lo. Era um território sem dono nem lei, onde qualquer um podia chegar e extrair fortunas do chão. Uma Serra Pelada, nos arredores do Polo Norte.
O maior desses aventureiros foi o americano John Longyear. Ele comprou todas as terras da região e em 1906 montou uma empresa, a Arctic Coal Company, para explorá-las. Construiu um vilarejo, com casas, refeitórios e comércio, para seus operários: Longyear City (em norueguês, Longyearbyen).
Em 1916, com dificuldades financeiras por causa da 1a Guerra Mundial, ele acabou vendendo o negócio para a Stone Norske, a estatal de carvão da Noruega, até hoje dona de tudo. Na década de 1930, os soviéticos chegaram e se instalaram numa vila vizinha (Pyramiden, que está abandonada desde 1999).
Na 2a Guerra Mundial, a Alemanha invadiu a Noruega – e Svalbard foi especialmente atacada. Em 1941, os Aliados foram até lá, evacuaram toda a população civil (inclusive, com permissão da URSS, os operários soviéticos) e destruíram as minas. Queriam impedir que Hitler pegasse o carvão.
Em 1943, os nazistas chegaram: mataram os soldados aliados, terminaram de destruir os vilarejos e montaram uma base que durou até 1945. Quando a guerra acabou, a URSS ofereceu proteção à Noruega – que recusou e preferiu se alinhar aos Estados Unidos, passando a fazer parte da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).   
“Vocês [o Brasil] são amigos da OTAN, certo?”, me pergunta o engenheiro Ole Storstad durante um jantar no Kroa, um dos poucos restaurantes de Svalbard. É uma casa de madeira, como todas daqui, decorada com peles de animais e um busto de Lênin. Sua especialidade é a “Caça do Dia” – hoje, informa o garçom, rena. Com rosto quadrado e jeito de camponês, o quarentão Ole é o chefe da SvalSat, base de satélites construída sobre uma das montanhas de Svalbard.
Ela é formada por 31 antenas, que parecem bolas de futebol gigantes. Na verdade, são redomas de lona branca, para que as antenas (parabólicas imensas, com 11 metros de diâmetro cada) não molhem com a neve nem entortem com os ventos – que, em cima da montanha, são muito fortes. As antenas estão ali para pegar sinais de um tipo diferente de satélite: os satélites polares.
Os satélites comuns, como os que transmitem sinais de TV e internet, são geoestacionários. Giram em sincronia com a rotação da Terra, e por isso ficam sempre sobre o mesmo ponto do planeta. Os polares, não. Eles orbitam relativamente baixo, entre 400 e 900 km de altitude (muito abaixo dos geoestacionários, que ficam a 35 mil km), se deslocam mais rápido do que a Terra gira – e por isso percorrem toda a extensão dela, dando uma volta no planeta a cada 1h30.
Como estão muito mais perto, captam imagens com nitidez incrível, 15 a 30 vezes maior que a do Google Earth, e também têm sistemas capazes de enxergar no escuro e através de nuvens. “Nós olhamos todas as plataformas de petróleo da Noruega, pelo menos uma vez por dia”, conta Nina Soleng, diretora de marketing da base. Magra e muito alta, com cabelo chanel loiro, ela mantém a postura aprumada de sua antiga profissão: modelo internacional.
Morou – e modelou – na Europa, mas há dez anos veio trabalhar para a longínqua SvalSat, com a tarefa de encontrar clientes para a base. Geralmente, empresas e organizações científicas, que usam satélites polares para monitorar florestas, oceanos, geleiras e pontos específicos do globo. Mas também servem para ações militares e espionagem. Extraoficialmente, é claro.
O Tratado de Svalbard, que foi assinado em 1925 e dá à Noruega controle sobre a ilha, diz que não pode haver atividade militar por lá. Mas, em 2011, um jornalista da TV estatal norueguesa descobriu que a base de Svalbard forneceu imagens da Coreia do Norte e do Afeganistão para o Exército dos EUA. As revelações não deram em nada, e a base continuou normalmente.
Por sua localização, ela é a única do mundo capaz de se comunicar com todos os satélites polares. A cada 8 a 15 minutos, um passa por cima dela – cujas antenas se mexem, como se fossem girassóis gigantes, para mirar o satélite e baixar seus dados. A base é operada pela estatal de defesa Kongsberg, tem 30 funcionários e um alojamento – porque às vezes neva tanto que não dá para subir ou descer a montanha, nem de helicóptero. Mas, para Ole, é pouco.
“Hoje eu levei meus filhos para a escola e nem precisei colocar o casaco”, exagera. Ele morou em Svalbard nos anos 1980 e voltou, para dirigir a base, há dois. “Naquela época, chegava a fazer 30 graus negativos no inverno”, diz, com ar de saudade.
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Como o resto do planeta, Svalbard está esquentando. Isso é especialmente cruel aqui, porque o aquecimento global é resultado direto do que fez a cidade nascer e prosperar: o carvão. Se quiser continuar a existir, ela precisa encontrar outra razão de viver. Está correndo contra o tempo para se reinventar. Na verdade, o país inteiro está.

Ouro negro

A Noruega é absurdamente rica. Seu PIB per capita é de espantosos US$ 75 mil (o dobro do Japão e da França, e nove vezes o do Brasil). Enquanto a maioria dos países carrega dívidas monstruosas, a Noruega tem uma montanha de dinheiro guardado: US$ 870 bilhões. Mas, na década de 1960, era um país modesto, com PIB de apenas US$ 5 bilhões – hoje é quase setenta vezes maior. O milagre econômico tem nome: petróleo.
Em 1963, o país descobriu enormes reservas de petróleo e gás natural no Mar do Norte, que começou a explorar e vender. Hoje sua petrolífera Statoil opera em 36 países – este ano comprou um pedaço do pré-sal brasileiro, inclusive. Só que a queima de petróleo, como a de carvão, emite CO2 e esquenta a Terra, o que termina naqueles cenários catastróficos de que você já ouviu falar, com derretimento dos polos e grandes elevações do nível do mar.
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Há forte pressão para reduzir o uso de combustíveis fósseis. E, para quem vende petróleo, seria bom descobrir como ganhar dinheiro com outra coisa – inclusive porque o preço dele caiu 60% nos últimos cinco anos.
Dubai se redesenhou como centro de turismo e negócios. Abu Dhabi e Emirados Árabes criaram fundos para investir os lucros do petróleo em outros países. A aposta da Noruega é tentar ser o Vale do Silício viking. Para dar o pontapé inicial, ela criou a Oslo Innovation Week: uma semana com mais de 70 eventos, como palestras, debates e competições dedicadas à inovação tecnológica (a convite do governo norueguês, passei uma semana viajando pelo país, no mês de outubro).
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Teve uma gincana de projetos para ajudar refugiados sírios (ganhou um site que ajuda noruegueses a convidá-los para jantar), teve uma minifeira de tecnologia com drones, robôs e a visita do casal real (o país é uma monarquia parlamentarista), até chegar ao ponto alto: a final do concurso que elegerá a próxima grande startup da Noruega. Cem projetos se inscreveram, dos quais 17 vão se apresentar na sede do banco DNB, o maior do país, em Oslo.
Como quase tudo aqui, ele é controlado pelo governo – e meio sui generis. A sede tem pé-direito alto, obras de arte, o luxo típico dos prédios corporativos. Mas também tem algo bem diferente: o térreo é dominado por um grande e modesto refeitório, com bancos e mesas coletivas pregadas no chão, como numa humilde fábrica. Imediatamente lembro da chamada Janteloven, ou “Lei de Jante”.
É um conjunto de dez princípios, que estão num romance escrito em 1936 pelo norueguês Aksel Sandemose (a história se passa na cidade fictícia de Jante, daí o nome), e podem ser resumidos como: ninguém é melhor do que ninguém. Os noruegueses levam isso muito a sério. Tanto nos costumes (aqui as pessoas raramente têm o desejo, tão comum em outros países, de se diferenciar pela roupa) quanto na prática: o país é um dos mais igualitários do mundo.
As apresentações das startups começam e se sucedem, nenhuma muito empolgante. São clichês do mundo tech (um app de empregos, um sensor de raios solares, um software para economizar energia em prédios), apresentados de forma sóbria e contida. O projeto mais promissor é um gadget que serve para desengasgar pessoas, mas é prejudicado pelo nome infeliz, que lembra remédio contra impotência: Excitus.
No fim das contas, os jurados escolhem o Smart Home, um app para controlar lâmpadas, persianas e eletrodomésticos inteligentes. Leva 300 mil coroas norueguesas (US$ 35 mil). Não vai mudar o mundo.
“Elas [as startups] não falam quem seriam os seus clientes. Nenhuma delas se daria bem nos EUA”, avalia, com sinceridade de tirar o fôlego, o executivo Pal Naess. Ele é, veja só, o diretor de startups da Innovation Norway, braço do governo criado para ajudar novas empresas. Em qualquer outro país, alguém na posição dele tentaria me convencer de que suas startups são o máximo. Pal não faz isso. E cita um exemplo, do concurso no banco, que acha especialmente absurdo.
“Ontem uma empresa disse: nós não vamos ter lucro durante vários anos.” Para ele, o problema não é falta de ideias: o governo recebeu 3 mil projetos, dos quais apoia 215. É de atitude. “Se você vai competir com os EUA, não pode ter a mentalidade norueguesa”, resume. Pal tem outro compromisso e vai embora, enquanto fico pensando no que definiria essa mentalidade. Logo descubro.

Quanto você ganha?

“As pessoas iam olhar o salário do vizinho”, conta a norueguesa Ulla Sommerfelt. Ela é dona do Eggs Design, um estúdio de Oslo que tem 60 funcionários e desenha o visual de diversos tipos de produto, de câmeras marítimas a óculos de sol.
Ulla é baixinha, tem cabelos crespos e os dentes da frente separados, como a atriz francesa Vanessa Paradis. Usa vestido rosa berrante e é tão extrovertida quanto ele. Não se parece, em nada, ao estereótipo do norueguês médio. Mas acaba de me contar sobre a coisa mais norueguesa que existe: a Skatteetaten, órgão equivalente à nossa Receita Federal.
Lá, os cidadãos noruegueses podem fazer algo que seria inimaginável no Brasil. Consultar o salário de qualquer pessoa, ver quais bens possui e quanto tem no banco. Isso é permitido desde o século 19, ou seja, na Noruega o sigilo bancário nunca existiu. Todo mundo sempre soube quanto os outros tinham – o que ajuda muito a explicar a cultura de transparência e a radical sinceridade dos noruegueses.
Com a internet, olhar a conta dos outros virou mania. Tanto que, em 2014, o governo tomou uma medida para brecar isso. Agora, quando você consulta o saldo bancário de uma pessoa, ela recebe um e-mail alertando a respeito. A ideia é deixar as pessoas com vergonha de xeretar.
A nova regra exclui os jornalistas, que continuam podendo vasculhar contas sem alertar seus donos. Mas eles ficam sabendo – porque sai no jornal. Até o Svalbard Posten e o Ice People, os dois jornaizinhos de Svalbard, têm o costume de publicar saldo bancário (seu habitante mais rico é Sigmund Wenaas, 42 anos, dono de hotéis e navios mercantes e 934 milhões de coroas no banco).
Apesar disso, fico encabulado de perguntar a Marit Brandal, moradora de Svalbard, quanto ela ganha. Nos encontramos às 6h30 da manhã – o horário foi ideia dela– para dar uma volta. O céu está completamente, profundamente, escuro. Penso na Noite Polar, em como deve ser duro suportá-la (embora os moradores costumem dizer, não muito convincentemente, que estão acostumados e não ligam).
Alguns minutos depois, tenho uma amostra do que devem sentir quando ela finalmente termina. O céu começa a mudar, mas não num amanhecer normal. Ele fica incrivelmente, surrealmente, azul. Sua cor parece infinitamente forte, a ponto de tingir tudo em terra.
É um fenômeno conhecido como Hora Azul, que acontece quando o Sol está nascendo ou se pondo, ligeiramente abaixo da linha do horizonte. Nessa hora, a maior parte da radiação solar não chega a Svalbard, que é iluminada indiretamente por luz azul – produzida pela difusão dos raios na atmosfera e refletida pelo mar e pelas geleiras.
A função de Marit, que trabalha para o governo, é desenvolver a economia de Svalbard: atrair empresas e gerar empregos para compensar o encolhimento da indústria do carvão, que fechou quase todas as minas e hoje só emprega 500 pessoas. Mas, transfixado pela Hora Azul, não consigo prestar muita atenção nisso. Só desperto mesmo quando ela diz: “Vamos até o outro lado de Svalbard. Quero mostrar o outro lado.”
Descemos a ruazinha principal, onde fica o único mercado da cidade, famoso pelo urso empalhado na porta e pelo racionamento de bebida alcoólica, instituído décadas atrás para evitar que os operários das minas bebessem demais (só o vinho, que é caro e eles não tinham como comprar, é liberado).
Na loja de lembrancinhas, uma camiseta diz: “don’t come here to die”. É outra referência às leis locais, que proíbem morrer em Svalbard. Você até pode morrer, mas se isso acontecer seu corpo será despachado até Tromso, 1.000 km ao Sul daqui. É que desde 1918, quando a epidemia global de gripe espanhola chegou a Svalbard e matou parte da população, ninguém é enterrado no cemitério local, considerado perigoso – pois o gelo preserva os corpos e também os vírus dentro deles.
Continuamos andando e passamos pela Universidade de Svalbard, que oferece cursos de biologia, geologia e história, em inglês, para 350 alunos – a mensalidade custa simbólicos R$ 38. Logo depois vejo uma placa de advertência, com o desenho de um urso polar e a frase: “Por toda Svalbard”. A lei local exige que, ao sair da cidade, você leve um rifle. Ano passado, um urso de 240 kg entrou na vila e perambulou até ser capturado. Não foi a primeira vez.
Chegamos a um bloco de casas isoladas, à beira do que parece ser uma praia (na verdade, um fiorde do Mar da Groenlândia). “Está vendo essas casas aqui?”, pergunta, animada, a iconoclasta Marit – que chegou a passar um ano completamente isolada, com o marido, numa cabana a 300 km ao norte da vila, vivendo apenas de caça. “Estas casas são ilegais! E uma delas é minha!”, diz, na maior tranquilidade.
Ninguém poderia morar aqui porque as casas não têm calefação e o único jeito de se esquentar é acender a lareira – algo perigoso e proibido, já que Svalbard é toda feita de madeira. Marit só usa a casa no verão. Durante o resto do tempo, mora em outra, dentro da vila, sobre a qual comenta: “A porta da minha varanda entortou, não abre mais.”
O que parece banal é, na verdade, sintoma de algo gravíssimo: as casas estão entortando porque partes do permafrost, no qual elas são fincadas, estão derretendo como consequência do aquecimento global. O único jeito de pará-lo é reduzir as emissões de CO2. Mas a usina de carvão de Svalbard (que gera tanto CO2 quanto 100 mil carros) é a única fonte de energia da cidade.
Uma solução seria puxar um cabo submarino de alta voltagem, com 1.000 km, para trazer eletricidade de Tromso. Não é fácil (o cabo elétrico mais longo do mundo, que liga a Holanda à Noruega, tem 580 km), mas pode ser a única saída: as reservas da Mina 7, última em operação na ilha, só têm carvão para mais dez anos. Mesmo se Svalbard parar de queimá-lo, o planeta vai continuar esquentando; e a cidade do fim do mundo, derretendo. Ela não será como é hoje por muito tempo. Exceto por uma caverna – criada para ser absolutamente indestrutível.

O banco do juízo final

Svalbard não é a cidade do fim do mundo só porque fica no fim do mundo. Há outro motivo. Ela abriga o Global Seed Vault (banco global de sementes), construído pelo governo norueguês em 2008 para guardar sementes de todas as coisas que a humanidade planta – e reconstruir a agricultura global se ela for devastada por alguma catástrofe apocalíptica, como epidemias, inundações ou guerras.
Existem outros bancos de sementes no mundo, mas nenhum como este: um bunker escavado dentro de uma montanha congelada. Sua entrada fica na encosta da montanha Plataberget (a mesma da base de satélites), 130 m acima do nível do mar. Mesmo na pior das hipóteses de aquecimento global, com os oceanos subindo 6 m, as sementes estarão a salvo.
Ao se aproximar do Seed Vault, você tem a sensação de ter viajado para o futuro, e estar diante de algo deixado por uma civilização que não conheceu. Algo de valor: mesmo se não soubesse do que se trata, você perceberia que dentro dele está guardado um presente – à noite o vitral Repercussão Perpétua, que cobre a entrada do Seed Vault, irradia uma bondade que lembra as luzes de Natal. Mas isso é só a entrada.
Para chegar até as sementes, é preciso cruzar um túnel de 120 metros, com cinco portas à prova de explosões, atravessando o interior da montanha até chegar a três salas com 880 mil sementes, de 5.403 espécies vegetais, vindas de todos os lugares do mundo (o Brasil, por meio da Embrapa, enviou seis caixas de sementes de arroz, feijão e milho) e mantidas a -18 graus. “Nós esperamos que as sementes se mantenham férteis por centenas de anos”, diz o biólogo Asmund Asdal, diretor do bunker. Ele fica trancado 350 dias por ano, e só é aberto para inspeções ou para receber sementes.
Em 2015, aconteceu a primeira (e até hoje única) retirada do Seed Vault. Devastada pela guerra, a Síria sacou 38 mil sementes, de várias espécies do Oriente Médio. Mas os criadores do bunker dizem que ele foi construído para não ser usado. É o último backup, a reserva mais extrema – guardada no finzinho do mundo para só ser acessada caso o mundo de fato finde. Mas o fim do mundo é relativo. Seria apenas o término deste mundo, ou seja, algo sempre acontece depois.
Mesmo em caso de aniquilação total, continuaremos presentes na Terra, de certa forma. As civilizações que vierem depois encontrarão nosso legado nas sementes que deixamos – e não só no carbono dos nossos corpos.

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