A Presidência da República vetou, e com uma justificativa bastante “econômica” – em todos os sentidos -, todo o projeto de lei que regulamentaria a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios no Brasil.
Em nome da obsessão fiscal, o surgimento de novos municípios está e continua congelado há 17 anos. O interessante é que o mantra fiscalista, por um lado, é extremamente zeloso com relação à elevação de gastos sociais e de custeio da máquina administrativa, mas tem menos parcimônia quando o assunto é pagamento de juros, refinanciamento de dívidas a empresas multinacionais, cobrança de impostos sobre jatinhos e helicópteros e taxação sobre transações financeiras internacionais.
A mensagem de veto diz que, ouvido o Ministério da Fazenda, este manifestou-se contrariamente porque o projeto permitiria “a expansão expressiva” [sic] “do número de municípios no País, resultando em aumento de despesas com a manutenção de sua estrutura administrativa e representativa. Além disso, esse crescimento de despesas não será acompanhado por receitas equivalentes, o que impactará negativamente a sustentabilidade fiscal e a estabilidade macroeconômica. Por fim, haverá maior pulverização na repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o que prejudicará principalmente os municípios menores e com maiores dificuldades financeiras.”
A tal “expansão expressiva” seria, no máximo, de 5% de novos municípios. Considerando que faz duas décadas que o Brasil praticamente não cria municípios, alguém precisa informar ao nosso ministro desenvolvimentista da Fazenda que o país mudou, e bastante, em termos demográficos e socioeconômicos, em todas as regiões do País.
O que o Brasil transfere aos municípios anualmente é bem menos do que faz com o pagamento de dívida ao mercado financeiro. A transferência obrigatória a Estados e Municípios não chega a 9,5% do orçamento, bem menos do que os 34,5% gastos com amortização da dívida. Seja com 200 ou 300 municípios a mais (se muito), o FPM continuará o mesmo, pois ele não cresce conforme o número de municípios, e sim de acordo com a arrecadação de impostos. Na realidade, cada município teria que gastar menos com despesas administrativas e de custeio, pelos próprios limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Detalhe: o projeto não manda criar município. Apenas diz quais são as regras para fazê-lo, entre elas, uma essencial: a de que os municípios novos precisam ter um número mínimo de habitantes. Antes, na ausência de requisitos desse tipo, o Brasil já criou municípios de 800 habitantes. Se tais critérios existissem anteriormente, teríamos uns mil municípios a menos.
No Congresso, a proposta foi amplamente apoiada por todos os partidos, dos governistas aos oposicionistas. Na Câmara dos Deputados e no Senado, os votos favoráveis seriam suficientes até para aprovar uma emenda constitucional sobre o assunto. Em 30 dias, o Congresso vai apreciar e, provavelmente, derrubar o veto.
Apesar do desgaste político, o que pesou mesmo no veto foi o discurso feito sob medida para agradar a Ebenezer Scrooge, o personagem avarento do conto de Natal de Charles Dickens e que bem personifica as vozes que ouvimos, rotineiramente, do “espírito” do mercado. Isso é muito importante. Afinal, o Natal está chegando e, nessa época, os nervos do Sr. Scrooge ficam à flor da pele. Ele não entende patavina de federalismo e torce o nariz para políticas sociais.
O Sr. Scrooge ainda não leu o Diário Oficial de hoje porque está deveras ocupado saboreando o Financial Times e a The Economist desta semana. De todo modo, quando alguém lhe der a notícia, resmungará que o governo não fez mais que sua obrigação: a de dizer “não”. Afinal, é para isso que serve o Estado.
Em época de “terrorismo fiscal”, como se fala pelos corredores de Brasília, a Fazenda se intimidou e teve uma recaída em sua Síndrome de Estocolmo. Mais uma para a coleção.
(*) Antonio Lassance é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília.
o projeto aprovado por uma casa e revisto pela outra será enviado para ser sancionado ou vetado.
ResponderExcluirA sanção, atribuição exclusiva do Presidente da República, é a manifestação de sua concordância para com o projeto. O Presidente da República terá o prazo de 15 (quinze) dias para manifestar (artigo 66, §1º da CR/88). Pode-se dizer que se esse prazo decorrer sem que ele se manifeste, ocorrerá a sanção tácita, ou seja, considera-se que o Presidente aprovou o projeto, conforme se verifica a regra do art. 66, §3º da CR/88.
Uma vez vetado o projeto de lei, o mesmo retornará ao Congresso Nacional, onde será apreciado em seção conjunta, no prazo de 30 (trinta). Pode o veto presidencial ser derrubado pela maioria absoluta dos deputados e senadores, que votarão em sigilo, conforme estipulado pelo artigo 66, §4º da CR/88.
No caso do Presidente da República não vetar o projeto, ou o veto presidencial ser derrubado no Congresso Nacional, haverá a promulgação da lei, que é a declaração formal de existência da lei no mundo jurídico, sendo atribuição do presidente da República, que se não o fizer em 48 (quarenta e oito horas), torna-se função do Presidente do Senado, que também não o fazendo, passa-se à atribuição do Vice - Presidente do Senado (artigo 66, §7º da CR/88).
Por fim, verifica-se a publicação da lei, que é a sua divulgação para a sociedade, devendo ser feita por órgão oficial. Vale dizer que os efeitos da lei iniciam-se, normalmente, 45 (quarenta e cinco) dias após a publicação, conforme o artigo primeiro da Lei de Introdução ao Código Civil.